Sabe-se que o processo executório é um dos grandes responsáveis pelo alto volume de ações impactando a efetiva prestação da tutela jurisdicional em nosso país, tendo em vista que a maioria das medidas típicas de satisfação do crédito restam infrutíferas em seu curso. Isto porque os devedores executados, com raríssimas exceções, ao tomarem conhecimento dos termos das iniciais através das respectivas citações, apressam-se em resgatar das instituições financeiras seus saldos credores em contas correntes e/ou aplicações em investimentos, subtraindo-os ao alcance operacional da posterior penhora ou arresto on line a cargo dos magistrados, frustrando assim as aplicações dos dispositivos legais lastreados nos princípios processuais da efetividade da tutela jurisdicional, celeridade e duração razoável do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF, e Enunciado 372 do FPPC), além do da utilidade da execução para o credor (art. 797, do CPC) e eficiência da prestação jurisdicional (art. 37 da CF/88). Atento a esses princípios e àquela situação fática, o legislador de 2015 houve por bem inserir no CPC (Livro II, Capítulo IV, Da Execução por Quantia Certa), uma nova forma de constrição do patrimônio do executado, qual seja, a indisponibilidade de seus ativos financeiros, sem oitiva dos mesmos, em dispositivo prático e incisivo, ipsis litteris: “Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução” (nosso o destaque). Diferentemente dos requisitos necessários para as formas de constrição preexistentes, em que para o arresto e a penhora se faz necessária a tentativa de citação do executado (art. 830 do CPC – citação negativa – e arts. 831 c/c 835, I, do mesmo Codex – citação positiva), para a indisponibilidade de ativos financeiros o legislador estabeleceu que a constrição se opera sem dar ciência prévia ao executado (citação ou intimação), ou seja, sem oitiva do mesmo para os termos da demanda. Valendo-nos da hermenêutica e de seu critério de interpretação sistemática (também chamada de “lógico-sistemática” nas palavras de Luiz Fernando Coelho em “Lógica jurídica e interpretação das leis”, Editora Forense, 1981), há de se concluir que não há como se cogitar de necessidade previa da citação, como vêm entendendo parte do judiciário. A uma, porque entendemos que não se pode confundir o instituto da indisponibilidade com o arresto, para o qual é imprescindível pelo menos a tentativa de citação, quando “não estão presentes os requisitos do fumus bonis juris e do pericula in mora”. Se necessária fosse a citação prévia estaríamos diante de uma norma jurídica natimorta (art. 854), vez que, em consequência da citação negativa o CPC nos remete ao arresto (art. 830) e face à citação positiva o mesmo Codex nos envia à penhora (arts.831 c/c 835,I), atos constritivos esse mais contundentes e efetivos. Jamais o novel instituto de constrição patrimonial de ativos financeiros seria aplicado, o que afrontaria inclusive o disposto no art. 14 do Digesto ora comentado. Tal confusão talvez se deva ao açodo com que alguns nominaram o instituto da indisponibilidade de arresto executivo ou pré-penhora. Ora, executivos são todos os atos processuais executados por determinação da autoridade judicial competente, assim como pré são todos os atos processuais que demandam outro posterior. Despiciendas destarte a nosso ver as qualificações. Indisponibilidade é subtração do direito de dispor e ponto final. A duas, porque tanto o arresto quanto a penhora atingem na essência jurídica os recursos financeiros do executado (no caso presente), afetando, temporária ou definitivamente, seu patrimônio e domínio, subtraindo-lhe seus direitos de gozar, fruir, reaver e dispor de tais recursos (art. 1228 do Código Civil), uma vez que se processa a transferência do montante necessário à garantia da execução para o Banco Oficial e em nome do Juízo garantido. Compreensível assim que o executado seja ouvido previamente, através da citação. Entretanto, no caso da indisponibilidade prevista no art. 854 do CPC, subtrai-se do executado proprietário, temporariamente, tão somente uma das faculdades da propriedade, qual seja seu direito de dispor dos recursos indisponibilizados, até a posterior penhora como estabelece a lei processual. Seus recursos permanecem registrados em seu nome no banco depositário, onde prossegue, por exemplo, na fruição de ganhos financeiros e na composição de saldo médio para efeito de análise de crédito. Limita-se-lhe apenas o direito de usá-lo. Por ser, portanto, ato de constrição menos gravoso que o arresto e a penhora, a norma jurídica e sua mens legis foram pela desnecessidade da oitiva prévia do executado. Ademais, após a indisponibilização dos ativos financeiros, o devedor executado será intimado para, dentro do prazo de 5 (cinco) dias demonstrar que o montante indisponível é impenhorável ou que ainda remanesce indisponibilidade excessiva. Na ocasião não há a penhora dos valores, mas sim apenas o bloqueio judicial. A penhora só será efetivada após a manifestação do executado (que será considerado citado pelo ingresso nos autos – art. 239, § 1º do CPC/15), momento que o juiz decidirá sobre a conversão do bloqueio em penhora (§ 5º do art. 854). Saliente-se por fim que o instituto da indisponibilidade estatuído no art. 854 do CPC é uma resposta do legislador à ineficácia dos institutos tradicionais de constrição e expropriação relativas a ativos financeiros dos executados (arresto e penhora), sempre dependentes esses de citação ou intimação dos executados. Essa inovação tem o fito de efetivar direitos, evitando também uma maior morosidade e congestionamento de execuções no judiciário brasileiro. Autores: Fabíola Barbosa e